segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A Importância da Pesquisa de Campo na Derrubada de Estereótipos Ligados à Sexualidade do Idoso.


           Nos últimos anos tem-se percebido um aumento no interesse pela camada populacional até então esquecida e subjugada: a população de idosos. Ouve-se muito falar nesse grupo que vem crescendo numa margem nunca antes registrada; contudo, a estigmatização que essa classe sofre não cai inversamente proporcional ao aumento do número de pessoas pertencente a este grupo, cabendo, assim, a entrada da pesquisa científica, como as de campo, no processo de elucidação dos mitos relacionados à terceira idade, principalmente aqueles ligados à sexualidade, e a posterior derrubada de estereótipos.
As pessoas ditas idosas têm ocupado um papel importante não só na mídia como em pesquisas científicas de países subdesenvolvidos e desenvolvidos do mundo todo, visto a representação que vem possuindo quantitativamente na população total desses países. No Brasil não é diferente. Seguindo o eixo dos países subdesenvolvidos, a pirâmide etária da população brasileira vem sofrendo uma inversão, onde a base, destinada desde os nascimentos até os adolescentes, tem sido encurtada com a conseqüente expansão do topo, destinada aos idosos (no Brasil, segundo o Estatuto do Idoso, do Senado Federal, Idoso é todo aquele com idade igual ou superior a sessenta anos). Mas porque o número de idosos tem aumentado?
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os responsáveis pelo aumento da representação da população idosa são a diminuição dos níveis de fecundidade e mortalidade, e o aumento da expectativa de vida, que está ocorrendo de forma mais saudável. Por expectativa de vida, podemos considerar o que CAMARGOS, PERPÉTUOS E MACHADO (2000) discorrem, sendo esta uma vida independente das dos demais, tanto fisicamente quanto economicamente. Assim:

A expectativa de vida saudável pode ser definida de várias formas. A noção de vida saudável pode levar em conta, por exemplo, o bem-estar físico, mental ou social; as conseqüências de doenças; a incapacidade funcional; e o envelhecimento bem-sucedido (5). Na prática, a expectativa de vida saudável é comumente estimada por meio da mensuração da expectativa de vida livre de incapacidade funcional (9), ou seja, livre de dificuldade em executar atividades da vida diária.

Grande parte da responsabilidade do aumento da expectativa de vida vem da medicina que, com seus avanços, tem disponibilizado métodos de curas ou amenização de doenças que até então dizimavam a população, como cânceres, entre muitos outros. O acesso à medicamentos e tratamentos também se estabelece como um fator importante, visto que tal população já usufrui de uma aposentadoria, por vezes, utilizada somente consigo própria.
Assim, é nessa perspectiva de vida que a população idosa vem conseguindo os olhares de outras faixas etárias populacionais, recebendo maior importância, principalmente importância econômica, pois é uma população que vive mais e, portanto, possui maior capacidade financeira para gastos, sendo que, com a implantação de créditos com desconto em folha de pagamento, estão sendo considerados clientes com qualidade pela dificuldade de inadimplência.
Contudo, apesar da crescente importância que vem recebendo essa população, alguns aspectos não menos importantes estão sendo deixados de lado, aspectos esses ligados à questão social, ou mais especificamente, aos estereótipos referentes à sexualidade que ao longo do tempo foram de alguma forma construídos em torno da velhice e que, apesar das mudanças na perspectiva econômica, ainda resistem e afligem a terceira idade. Assim, a imagem que se propaga sobre a sexualidade da terceira idade é que esta é ausente, confinando os idosos num grupo incapaz de conseguir prazer, seja pelo ato sexual, seja pela troca de carícias com o parceiro. Por sexualidade pode-se entender como sendo todo um conjunto de manifestações para com um parceiro, como beijo, abraço, carinho, o ato sexual propriamente dito, entre outros.
Como sabemos, estereótipo é uma imagem preconcebida de uma pessoa ou grupo que acaba por definir e limitar os indivíduos dentro de uma sociedade. Michener, Delamater e Myers (2005, p. 141) afirmam que os estereótipos podem ter efeitos diretos nos integrantes de um grupo estereotipado (ameaça do estereótipo), sendo que, acreditando existir uma ameaça real de ser julgado por um estereótipo associado ao seu grupo, indivíduos acabam por desenvolver um desempenho pior do que realmente é capaz de fazer.
A partir do exposto, podemos perceber a força do estereótipo atuando na sexualidade no idoso, acabando por vezes a inibi-la, tamanha é a força do pensamento social. Ora, quem nunca se sentiu estranho ao pensar nos próprios avós praticando sexo ou mesmo trocando carícias como dois adolescentes? Raríssimos casos a parte, este fato demonstra o quão forte é o pensamento enraizado na sociedade, que acaba por constituir uma ideologia opressora e negadora da sexualidade de uma população somente agora tida como importante.
Thompson (1995) já dizia que uma ideologia é na verdade uma forma de dominação de uma classe sobre a outra, (aqui, pode-se entender classe como grupos populacionais) e que, uma idéia pode ser considerada como ideologia se ela esconde ou ilude uma realidade de um determinado contexto social, proliferando relações assimétricas e dominantes. O autor diz ainda que formas simbólicas, ou seja, imagens, textos ou discursos (falados ou não) são enraizados no indivíduo de forma que este não as perceba, apenas as aceitam e as reproduzem.
Pois bem, numa sociedade como a nossa, em que se valoriza a produção, o que há de se esperar das pessoas que não trabalham, não possuem “produção biológica”, ou seja, não tem mais filhos, e que por vezes já perderam condições físicas de outrora jovem e, agora, possuem algumas limitações? Há de se esperar que se formulem uma série de estereótipos que, assim como as limitações impostas pelos anos de idade, acabam por limitar em outras instâncias esse grupo populacional. Acabam camuflando, e até mesmo repudiando, as existência da vida sexual do idoso, ou seja, esconde uma realidade da vida dos idosos, fazendo-os freqüentemente embaraçados ao assumir sua sexualidade e, mais drasticamente, as vezes a assumir uma postura que esteja de acordo com a ideologia vigente, deixando de lado suas manifestações sexuais.
Há de se ressaltar que existem sim aspectos que cessam a vida sexual do idoso, como efeitos colaterais de alguns remédios, o óbito do parceiro, problemas de saúde, etc. Contudo, segundo os dados da pesquisa de Cataroço e Fávaro (2006, p. 57-69), a grande maioria dos idosos da pesquisa em questão vê o ato sexual como algo normal e necessário, perfazendo um total de 80% das respostas dos entrevistados de uma instituição pesquisada, o que contrapõe a visão social da ausência desta prática. Esta pesquisa ainda concluiu que, em algumas instituições que cuidam de idosos, 100% dos homens sentem vontade de manter relações sexuais e, o fator vergonha ainda limita um grande número de idosos frente a sua sexualidade, fator esse que pode ser devido à questão da cultura ocidental, impondo tabus à sexualidade, como se esta fosse apenas para jovens.
A partir dos breves dados relatados da pesquisa em questão, percebemos o quão diferente está a realidade sexual dos idosos em relação à imagem socialmente cultivada e, através da investigação, da pesquisa de campo, chegou-se a conhecimentos com potencial de derrubar, ou ao menos enfraquecer, estereótipos construídos quanto a sexualidade do grupo de pessoas com mais de sessenta anos.
Contudo, uma pesquisa – principalmente a social - ao ser elaborada, não pode ser feita aos moldes da própria vontade do pesquisador, devendo seguir rigorosamente a quesitos científicos para assim receber prestígio no meio acadêmico, assim como foi feita a pesquisa citada. Segundo Marconi e Lakatos (2006, p. 18) “a pesquisa social é um processo que utiliza metodologia científica, por meio da qual se podem obter novos conhecimentos no campo da realidade social”.
Ainda segundo esses autores (2006, p. 83-87):

Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre ele.

Portanto, é através da observação de fatos espontâneos, na coleta de dados – com registro das variáveis mais importantes – que se dá a pesquisa de campo. A primeira etapa desta pesquisa de campo ocorre com a realização de uma pesquisa bibliográfica sobre o tema em questão, para, assim, se descobrir em que estágio de discussão está o tema a ser desenvolvido. A segunda etapa é o estabelecimento de um modelo teórico inicial de referência, o que ajudará na determinação das variáveis e elaboração do plano geral da pesquisa. (MARCONI & LAKATOS, 2006. p. 83).
Deve-se determinar ainda, em acordo com o tipo de pesquisa, as técnicas que serão empregadas na coleta de dados e na determinação da amostra, que deverá ser representativa o suficiente para apoiar as conclusões. As técnicas de registro de dados consistem em outro fator importante na elaboração de uma pesquisa de campo. (IBID, 2006).
Marconi e Lakatos (2006, p. 84) dividem as pesquisas de campo em: quantitativo-descritivas, exploratórias e experimentais.
As quantitativo-descritivas são pesquisas empíricas cujo objetivo é a análise das características de fatos ou fenômenos, avaliações de programas, ou isolamento de variáveis principais. Possuem grande precisão e dados estatísticos e fornecem dados para a verificação de hipóteses, além de descrever de forma exata certas características quantitativas de populações como um todo. Usa-se de entrevista, questionários e formulários para a coleta de dados.
Em relação às pesquisas de campo exploratórias, baseia-se em pesquisas empíricas e tem como objetivo desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com o ambiente e modificar ou clarificar conceitos. Aqui também usa-se entrevista como coleta de dados, bem como observação participante, análise de conteúdo, etc.
Já as pesquisas experimentais são investigações empíricas que visa testar hipóteses que dizem respeito a relações de tipo causa-efeito. Faz-se uso, aqui, de grupos-controles, seleção da amostra por técnica probabilística e controle de variáveis dependentes. Este tipo de pesquisa pode ser desenvolvido tanto no ambiente natural quanto no de laboratório, com elevado controle das variáveis.
Portanto, podemos perceber que existem várias formas de se utilizar da pesquisa de campo na obtenção de informações acerca de indivíduos, grupos, instituições e muitos outros, inclusive para a derrubada de estereótipos. Como disse Marconi e Lakatos:

O interesse da pesquisa de campo está voltado para o estudo de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e outros campos, visando à compreensão de vários aspectos da sociedade. (2006, p. 86).

Assim, os métodos da pesquisa de campo em obter informações, como as pesquisas quantitativo-descritivas e exploratória, vão de encontro com uma necessidade que vem surgindo na nossa sociedade, que é a elucidação dos fenômenos que realmente ocorrem na sexualidade dos grupos populacionais da terceira idade, derrubando pensamentos pré-formulados e preconceituosos acerca de uma população julgada por uma sociedade que prioriza o jovem e, assim, possibilitar mais liberdade a esse grupo.
Um estereótipo, quando construído e difundido, permanece enraizado na sociedade de forma tão estável que o trabalho de derrubada deste torna-se dificultoso. Quem melhor que a ciência, que é tida hoje como algo que desvenda conteúdos obscuros da realidade em geral, através da pesquisa de campo, para esclarecer esses fenômenos envolvendo a terceira idade e, assim, através da divulgação desses resultados, promover uma melhoria na vida dessas pessoas?


REFERÊNCIAS

CAMARGOS, M. C. S.; PERPÉTUO, I. H. O.; MACHADO, C. J. Expectativa de vida com incapacidade funcional em idosos em São Paulo, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2005;17(5/6):379–86. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1020-49892005000500010&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 06 dez/2008.

FABRIS, A. A força do estereótipo. [In:] Revista em história. V.7, N.1, p.43-50, 2001.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2006.

MICHENER, H. A.; DELAMATER, J. D.; MYERS, D. J. Psicologia Social. São Paulo: Fronteira/Thomson Learning, 2005.

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Projeção da população do Brasil por sexo e idade. Brasil: IBGE, 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008/default.shtm. Acesso em: 06 dez/2008.

SENADO FEDERAL. Estatuto do idoso: Projeto de Lei da Câmara nº 57, de 2003 (nº 3.561, de 1997, na Casa de origem). Brasília: 2003. Disponível em: http://www.senado.gov.br/web/relatorios/destaques/2003057RF.pdf. Acesso em: 06 dez/2008.

THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.


  Noélton Panini de Sousa - Universidade Estadual de Maringá.