terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O JUÍZO MORAL

Do latim “mores” – relativo aos costumes, moral é o...

“Conjunto de regras dos costumes e prescrições a respeito de comportamentos e condutas, que podem ser consideradas válidas, éticas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupos ou pessoa determinada, estabelecidas e aceitas pelas comunidades humanas durante determinados períodos de tempo” (Aurélio Buarque de Holanda).

Jean Piaget (1896 – 1980) afirma que “Toda moral é um sistema de regras e a essência de toda a moralidade consiste no respeito que o indivíduo sente por tais regras”.
Segundo Piaget, a fonte dos primeiros sentimentos morais é o respeito, sentimento este gerado na união da afeição e do temor. Portanto, o ingresso da criança no universo moral se dá pela aprendizagem de diversos deveres a ela impostos pelos pais e adultos em geral. Tal imposição é possível na fase de heteronomia da criança, pois esta está inclinada a aceitar as regras como inquestionáveis. Basta que os entes respeitados estabeleçam normas e regras, para aqueles que os respeitam vejam essas regras como obrigatórias e se sintam no dever de obedecer. As normas morais ainda não são elaboradas, ou reelaboradas pela consciência, e não são entendidas pela sua função social.
Para as crianças, a moral conduz à obediência e o bem se estabelece por referência à vontade dos pais. A base desta moral é uma vontade exterior e constrangedora, por isso dita heterogênea. Portanto, todo ato bom é aquele que corresponda à obediência à regra ou aos adultos. A norma é exterior à consciência, revelada e imposta pelo adulto, e suas razões são desconhecidas.
Quando a criança se afasta de seu egocentrismo intuitivo, e passa a entender os diversos pontos de vista de indivíduos diferentes, ela passa a valorizar o outro, surgindo então, o respeito mútuo e a cooperação. Os sentimentos morais deixam de ser ligados à obediência, e nasce o sentimento de regra.
Até então, uma regra era tida como verdadeira se estivesse unida a uma autoridade superior, era justo o que era imposto e, a partir de agora, basta que tal regra seja adotada por todos e que resulte de um tipo de contrato, o qual é condicionado pelo respeito mútuo.
A evolução da prática e da consciência da regra pode ser dividida em três etapas. A primeira, a anomia, é característica de crianças de até cinco ou seis anos de idade aproximadamente, sendo que, nesta etapa, as crianças não seguem regras coletivas, há ausência de moral e de regras. A segunda, a heteromia, é onde surge o interesse em participar de atividades coletivas e regradas. Nesta fase, a criança concebe as regras como algo sagrado e imutável. Porém, na prática, mostra-se muito liberal em relação à aplicação das regras, introduzindo, por exemplo, uma regra que a beneficia sem consulta prévia dos adversários. Esse desrespeito prático das regras, contraditório com a concepção religiosa da mesma, se explica como já dito anteriormente, pelo fato de que a criança nesta fase, “não ter assimilado ainda o sentido da existência de regras: não as concebe como necessárias para regular e harmonizar as ações de um grupo de jogadores e por isso não as segue à risca”. (TAILLE, 1992, p. 50).
A última etapa é da autonomia, e corresponde à concepção adulta do jogo.
Na moral ligada à autonomia, a regra do jogo se apresenta à criança não mais como uma lei exterior, sagrada enquanto imposta pelos adultos, mas como resultado de uma livre decisão e como digna de respeito na medida em que é mutuamente consentida. A partir desse momento, a criança aceita que se mudem as regras, desde que todos concordem, assim, todas as opiniões são permitidas; ela também deixa de considerar as regras como eternas e transmitidas através das gerações. A regra agora é concebida como uma livre decisão das próprias consciências. Não é mais coercitiva nem exterior, pode ser modificada e adaptada às tendências do grupo, é uma construção progressiva e autônoma. Isso ocorre por volta dos dez, onze anos em média.
O respeito mútuo aparece como a condição necessária para autonomia, sob seu duplo aspecto intelectual e moral. Liberta as crianças das opiniões impostas, em proveito da coerência interna e do controle recíproco. A cooperação também é um fator importante para conquistar essa autonomia moral.
No processo de internalização das regras ocorrem dois tipos de sanções: sanção expiatória e sanção de reciprocidade.
Para uns, a sanção é justa e necessária: quanto mais severa, mais justa; é eficaz no sentido que a criança punida saberá cumprir seu dever. Esta sanção é denominada expiatória. Todo “crime” será obrigatoriamente castigado, mesmo que seja por forças da natureza. A sanção expiatória acontece quando a quantidade de castigo é estranha àquela do delito; seu objetivo consiste em reconduzir o indivíduo à obediência, por meio de uma repressão suficiente, acompanhado por um castigo doloroso. Essa sanção é arbitrária, ou seja, não há nenhuma relação entre o conteúdo da sanção e do ato, e deve haver uma proporcionalidade entre o sofrimento imposto e a gravidade da falta. Acompanha a idéia de coação e as regras de autoridade.
Na sanção de reciprocidade, a expiação não constitui uma necessidade moral, as sanções justas são aquelas que exigem uma restituição, ou que fazem o culpado suportar as conseqüências da sua falta; pode consistir em um tratamento simples de reciprocidade. Essa sanção considera a punição inútil, sendo a repreensão e a explicação mais proveitosas que o castigo. Acompanha também a cooperação e as regras de igualdade; se a regra for violada, não há necessidade de colocar as coisas em ordem, ou utilizar de punição dolorosa, bastando apenas a ruptura com o elo social provocado pelo culpado.
Na responsabilidade objetiva, a criança avalia os atos não pela intenção que a precederam, mas em sua conformidade com as regras estabelecidas. Portanto, “avalia um ato em função de seu grau de cumprimento à lei e não à luz das intenções, boas ou más”. (NICOLAS, 1978, p. 163). Está ligada à moral de heteronomia, onde a regra é uma realidade obrigatória e intocável. A criança leva em conta o resultado material do crime, e não sua intenção, considera em suas avaliações fatos materiais, conseqüências diretas e os prejuízos decorrentes do crime.
A intencionalidade é um elemento subjetivo essencial à nossa moralidade. A criança pequena sabe que há ações intencionais e outras casuais (“sem querer”), porém, esse critério ainda não está presente no seu universo moral, pois se instalará somente quando ela compreender os deveres como decorrentes de obrigações mútuas que implicam acordos entre as consciências, que ela atribuirá intencionalidade aos fatos. A responsabilidade objetiva diminui com a idade, sendo substituída pela responsabilidade subjetiva, a qual leva em conta apenas as intenções.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
NICOLAS, A. Introdução ao pensamento de Jean Piaget. Tradução de Odilon Mattosinhos de Miranda.Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. Tradução Elzon Lenardon. São Paulo: Summus, 1994.
TAILLE, Y. L.; OLIVEIRA, M. K.; DANTAS, H. Piaget, Vygotsky e Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. Organizadores: Yves de La Taille, Marta Kohl de Oliveira, Heloysa Dantas. São Paulo: Summus, 1992.

Universidade Estadual de Maringá - Andressa Pires Martins Santana e Noélton Panini de Sousa.

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